Dia Mundial do Combate à Síndrome pós-pólio

Percentual da vacinação diminui e alerta para o risco de volta da doença que já foi erradicada

Foto: Arthur Calasans

Em 24 de outubro, comemoramos o Dia Mundial do Combate à Síndrome pós-pólio. Registrada no Brasil desde o fim do século XIX, a poliomielite é uma grave doença infectocontagiosa aguda que provocou numerosos surtos e epidemias no país e em outras partes do mundo, no século XX. Embora a maioria dos países tenham eliminado a pólio, a doença ainda é registrada em algumas partes do mundo – o que é motivo de preocupação entre especialistas, pela possibilidade de reintrodução do poliovírus selvagem no país. (*)

O início é repentino e a evolução do déficit motor ocorre, em média, em até três dias. A doença acomete, em geral, os membros inferiores, de forma assimétrica, e tem como principal característica a flacidez muscular. A síndrome pós-poliomielite pode provocar perda das funções musculares anos depois que os pacientes tiveram sua doença estabilizada.

Desde 2014, a cobertura vacinal contra a pólio no Brasil está abaixo de 95%, considerada a meta para proteção contra a doença. Por isso, alertamos a importância da vacinação em todo país. Não temos dados gerais de quantas pessoas tiveram poliomielite no país, apenas que entre 1968 e 1990 o Brasil teve 26.853 casos confirmados, segundo Ministério da Saúde.

Erradicação

O Brasil está livre da poliomielite desde 1990, segundo o Ministério da Saúde. Em 1994, o país recebeu a Certificação de Área Livre de Circulação do Poliovírus Selvagem da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).

A tendência é que os casos de síndrome pós-pólio diminuam consideravelmente nos países em que as campanhas de vacinação contra a poliomielite representaram uma estratégia importante para erradicar a doença.

Devido ao seu risco de importação, o principal fator de risco para que crianças menores de 5 anos adquiram a doença é a baixa cobertura vacinal.

Quais tipos de vacinas?

No país, duas vacinas diferentes são oferecidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para a imunização da pólio: a inativada e a atenuada. A vacina inativada deve ser aplicada nos bebês aos 2, 4 e 6 meses de idade. Já o reforço da proteção contra a doença é feito com a vacina atenuada, aquela administrada em gotas por via oral entre os 15 e 18 meses e depois, mais uma vez, entre os 4 e 5 anos de idade. 

Confira entrevista com Eliane Ranieri, pessoa com síndrome pós-pólio, consultora em Diversidade e Inclusão na Talento Incluir.

Eliane, nos conte como foi ter a poliomielite e a síndrome pós-pólio.

Tive pólio com 6 meses de vida, na época não havia tomado vacina, a Salk não existia ainda. Na ocasião, fiquei tetraplégica, com toda parte motora impactada. A pólio tem várias formas de se manifestar, uma gripe, uma diarreia, trata-se de uma virose que pode ter graduações. Mas quando ela ataca o sistema nervoso, afeta a parte motora e respiratória, segundo pesquisas, 1% dos casos são de acometidos de pólio – paralisia.

Foram vários casos no Brasil antes da vacinação completa.

Eu tive pólio severa que afetou até a respiração. Eu estava no hospital a espera do respirador, “pulmão de aço”. Para entender, basta pensar que naqueles anos não havia respiradores, como agora na pandemia do Covid. Na ocasião, eu estava na fila e inexplicavelmente comecei a respirar sozinha!

A minha sequela foi do pescoço pra baixo, ou seja, fui muito acometida. Até meus 15 anos de idade, passei a vida em cirurgias, fisioterapias e reabilitação. Mas consegui recuperar o movimento da parte superior, braços e sensibilidade. Tive uma lesão muito séria na coluna.

Foi então que, conversando com médico, ele me deu o prognóstico: Eu estava no meu melhor momento! Estava sentada e com força nos braços. Passei a investir apenas em fisioterapia.

Como você vê a importância da vacinação?

É importante tomar o ciclo completo, Salk e Sabin, que imuniza 100%.

É importante divulgar a campanha, que nos últimos anos teve uma drástica redução. O risco existe e em vários países não temos o vírus erradicado.

Um dos motivos da queda nos números nas vacinações foi a pandemia do Covid, mas é necessário continuar, pois corremos o risco de vírus voltar.

Dados divulgados recentemente mostram que o índice de vacinação nunca esteve tão baixo: foi de 96,55% em 2012 para 67,71% em 2021. Pais precisam levar filhos para tomar as doses da vacina e eliminar o risco de retorno dos casos de ‘paralisia infantil’, que não é registrada no Brasil há mais de 30 anos.

A poliomielite só ocorre em crianças?

Não! Apesar do nome “paralisia infantil” ela também acomete adultos. A maioria vai desenvolver SPP após 20,30, até 50 anos do acometimento da doença. Essa

informação é muito importante. Não é apenas em crianças. Se não for erradicada vai entrar no ciclo como outras vacinas. Não queremos que ela volte a circular no país. A pessoa só está 100% imunizada se tomar o ciclo completo.

Como foi sua reação e processo quando descobriu aos 15 anos de idade, em plena adolescência, que não tinha mais o que fazer, que a pólio era para toda vida?

Precisava continuar com a reabilitação e fisioterapia, percebi que isso seria para a vida toda. Percebi a importância de continuar com esse tratamento diariamente.

A sequela traz perda dos movimentos. Tem pessoas que perdem o movimento ou tem que andar com respirador. Recentemente, se descobriu que essa sequela passa por um processo evolutivo, não é estanque. O dano causado evolui e se torna uma Síndrome descoberta por meio dos diagnósticos que as pessoas com pólio mantinham.

Várias pessoas sequeladas relatavam uma perda de força natural e, com isso, os médicos começaram a investigar, como foram vários casos no país, viram se tratar de uma sequela do vírus da poliomielite. Hoje, a UNIFESP tem um laboratório de pesquisa destinado aos estudos e novas descobertas.

Já se sabe que a síndrome pós-pólio (SPP) acelera o envelhecimento da musculatura. Não é apenas perder a função motora, ela agrava o restante da musculatura. Eu tive recentemente muita dificuldade e perda respiratória e só depois descobri que era síndrome da sequela. Há uma fadiga muscular maior que o normal, como se estivesse acabado de fazer um exercício físico.

Temos relatos de como ficaram pessoas sequeladas de pólio que tiveram Covid?

A Unifesp está estudando isso em alguns casos que apareceram. É importante deixar claro que, nem toda pessoa que teve a poliomielite, vai apresentar a síndrome. Depende da extensão do atingimento da lesão nos nervos.

Estão estudando então o agravamento do Covid em pessoas com a síndrome.

O que sabemos é que com a síndrome pós-pólio, a musculatura que já é cansada, envelhece mais rápido. As pessoas têm muita contratura muscular, e o exercício à exaustão causa isso. É bem complicado, afinal, precisa-se de um equilíbrio, não pode submeter o músculo à exaustão, e não pode ficar sem exercício. É preciso ter acompanhamento de profissional que entenda do tema.

Qual o momento mais difícil em sua vida de pessoa com SPP?

O mais complicado foi a fase da adolescência. Não vivi algumas etapas. Não tive festa de 15 anos. Foi bem complicado! Assimilar essas fases foram difíceis numa época em que o tema ainda era tabu na sociedade. Eu não tinha amigos com deficiência.  Sem dúvida, foi a fase mais difícil.

Outro momento foi ir para o mercado de trabalho, encontrar uma oportunidade. Estudar também foi muito difícil. Ter meus direitos garantidos foi complicado em uma época em que ninguém entendia isso. Os primeiros anos básicos eu estudei em casa, quando fui para escola eu ficava isolada, não ia para o recreio, o mundo era bem diferente e muito menos inclusivo.

Tenho amigos com minha idade que não conseguiram se alfabetizar. Eu tive a oportunidade, tive aulas em casa. Era um mundo assistencialista, não se falava sobre o tema.

Quando eu tomei noção do tamanho do desafio estava na hora de estudar e trabalhar. As universidades não eram acessíveis e não havia estudo remoto.

O que você quer deixar de mensagem importante sobre o tema?

A vacinação é gratuita em nosso país! Existe em todo país em qualquer lugar, disponível pelo SUS para todos. Não há razão para não tomar a vacina. Mesmo erradicada corremos risco como vimos em estudos publicados.

A informação sem dúvida precisa continuar, precisa ser levada a todos. A informação aliada às campanhas pode salvar vidas! Não deixem de vacinar seus filhos!

Por Ciça Cordeiro, consultora na Talento Incluir

*Fonte: Fio Cruz

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